artigos e ensaios - 1987 / Mariza Peirano

O encontro etnográfico e o diálogo teórico

Os leitores de etnografias estão acostumados à empatia quetodo antropólogo manifesta em relação ao "seu" grupo, "sua" tribo, "sua" comunidade, sejam eles pacificos pescadores da Melanésla, ou caçadores de cabeça das Filipinas. Como todo antropólogo sabe e reconhece, além de assegurar a autoridade e o direito como intérprete dentro do meio acadêmico, tais afirmações refletem também o resultado da relação existencial freqüentemente profunda e marcante que se desenvolve durante a pesquisa de campo. Aqui está a primeira diferença da recente experiência de Vicente Crapanzano: o antropólogo decide fazer uma pesquisa entre os brancos da África do Sul, cujo resultado é o livro publicado em 1985, Waiting, the Whites ot South Africa.

Crapanzano não tem simpatia pelo grupo que estuda, ele não chega "neutro"' na África do Sul, mas, como antropólogo, não aceita estereótipos fáceis. Conscientemente ou não, ele enfrenta, assim, o desafio de conciliar a ideologia do meio intelectual (ocidental, ou norte-americana) que condena o apartheid como uma das formas mais cruéis de discriminação social e a ideologia relativizadora da antropologia. É interessante, neste aspecto, mencionar que Crapanzano se interessou pelo tema exatamente em uma festa na Universidade de Harvard, na qual a entrada de um sul-africano foi saudada com enorme frieza. Crapanzano reagiu a ver no sul-africano um "inimigo", e a conversa que se seguiu foi o início do projeto de pesquisa.

Se a antropologia é a ciência da alteridade, diz Crapanzano, "precisamos reconhecer não só uma missão intelectual, mas também uma missão moral" (Crapanzano, 1985:47). Esta perspectiva (durkheimiana) levou-o à África do Sul, e o resultado foi o reconhecimento, primeiro, de que é possível se desenvolver uma certa simpatia mesmo pelos moralmente condenáveis - conclusão que ele reconhece como incômoda e confusa (:25) -; segundo, que é preciso reconhecer nas investigações da alteridade uma investigação "das nossas próprias possibilidades" (:47). Voltaremos a este ponto adiante. Por enquanto, basta notar que esta visão foi reforçada pelos próprios sul-africanos, alguns dos quais se ressentiram de que um americano viesse descobrir neles his own underbellyI (:47).Leia na íntegra...