artigos e ensaios - 1997 / Mariza Peirano

Os contextos dos direitos humanos

Um ponto de partida

Se aceitamos que os valores que mais caracterizam a modernidade formam uma configuração geral, esta é sem dúvida sinalizada pela primazia do indivíduo e baseada em uma essência do homem. O sujeito humano é universal. No mundo moderno contemporâneo, a idéia de que partilhamos uma "cultura mundial dos tempos" é vista como autoevidente por muitos; uma "cultura mundial dos tempos que, naturalmente, não é nem mundial nem atemporal, mas ocidental e histórica.

Essa matriz individualista é complexa. Na verdade, ela jamais dominou de forma monolítica qualquer sociedade; ela está sempre combinada com noções, valores e instituições mais ou menos contrários a ela (inclusive porque precisa dessa combinação para sua sobrevivência); ela sofre processos de intensificação quando transita de uma cultura para outra, agregando elementos holistas e formando novos híbridos; e, na medida em que se espalha pelo mundo, mais se modifica pela integração dos valores aculturados — o que tanto a faz mais poderosa, quanto a transforma, às vezes de forma imperceptível.

É dessa matriz complexa do mundo moderno que surgiram valores como as noções de direitos, liberdade, justiça e tolerância, que levaram à introdução das instituições democráticas, das constituições, das noções de direitos humanos, governo majoritário, sistemas partidários etc. (E foi essa mesma matriz que forjou a ambição da antropologia, de examinar a riqueza e complexidade das manifestações culturais. A antropologia é, portanto, um produto moderno também; ela examina o repertório humano geral no intuito de mostrar como sua diversidade se desdobra sem parar, produzindo novas concepções de mundo e novas formas sociais, além de questionar as teorias ocidentais sociocêntricas.)Leia na íntegra...