artigos e ensaios - 1999 / Mariza Peirano

As arquiteturas teóricas de Weber e Durkheim

Nas últimas décadas, a história teórica da antropologia tem privilegiado a descendência dos autores contemporâneos aos clássicos Durkheim e Mauss. Apropriadamente, são a eles atribuídos o papel de precursores da visão teórico-comparativa da antropologia, a qual se acrescenta a dimensão etnográfica. Contudo, um exame mais detalhado de monografias de alguns antropólogos contemporâneos e reconhecidos aponta para a existência de um outro clássico do final do século XIX que inspira os pesquisadores de hoje, embora não tão diretamente: trata-se de Max Weber. Weber não figura como um clássico da antropologia, mas a partir dessas recentes experiências bem sucedidas é possível imaginar que a incorporação do diálogo entre Durkheim e Weber nos nossos trabalhos de pesquisa sobre o mundo contemporâneo possa nos auxiliar a abrir novos caminhos, caminhos que focalizam a interdependência entre os aspectos micro-etnográficos e os macro-sociológicos de forma teoricamente enriquecedora e conseqüente.

Esta foi a motivação geral para oferecer um seminário na pós-graduação no Departamento de Antropologia da UnB sobre "A tradição weberiana na antropologia", no primeiro semestre de 1998 (cf. Apêndice para o programa do curso). Para organizar o curso, utilizei como roteiro um texto que havia produzido em 1997 e divulgado na Série Antropologia ("Micro-etnografia e macro-sociologia: religião e política nas histórias teóricas das ciências sociais", in Três Ensaios Breves, Série Antropologia, n. 230: 3-16), no qual examinei a presença teórica marcante de Durkheim, mas também a inspiração forte de Weber, nas trajetórias intelectuais de três autores: Louis Dumont, Clifford Geertz e Stanley Tambiah. (Indiretamente, o texto focalizava o hinduismo, o islamismo e a budismo).

Os alunos que se inscreveram em 1998 no seminário sobre "A tradição weberiana da antropologia" foram poupados, no entanto, desta referência inicial. Minha intenção era a de desenvolver um exercício coletivo dirigido a uma leitura desarmada dos dois clássicos. Esta proposta consistia no desafio de: i) construir os edifícios teóricos desses dois autores via comparação, ii) que o empreendimento fosse realizado a partir dos próprios textos dos dois clássicos, isto é, sem intermediários. Não se tratava, portanto, de uma leitura que, por exemplo, procurasse meramente examinar e contrastar conceitos. O curso também não tinha por objetivo contextualizar os autores e obras em sua época de publicação. Só muito tangencialmente a carreira intelectual destes autores estava em questão. Tratava-se, sim, de realizar a tarefa difícil de empreender uma leitura teórica que, como na etnografia aliás, é melhor realizada se o crédito é dado aos autores das falas. É nesse contexto que a inclusão de leituras complementares de outros antropólogos contemporâneos, como Dumont, Geertz e Tambiah teve como objetivo ajudar a construção dos dois edifícios teóricos em pauta. Estes autores não foram vistos como intérpretes mas, sim, como atualizadores dessas tradições.Leia na íntegra...