artigos e ensaios - 2002 / Mariza Peirano

Resenha de "Edmund Leach. An anthropological life"

Stanley Tambiah

Se é viável pensar que o desenvolvimento da antropologia está vinculado à criação de linhagens intelectuais, por meio das quais autores se sucedem refinando experiências etnográfico-teóricas, então podemos apreciar um dos componentes centrais do livro Edmund Leach. An Anthropological Life. Neste trabalho de grande envergadura, Stanley Tambiah presta uma homenagem a seu principal mentor, colega e amigo, Edmund Leach, revisando em detalhe sua obra ao longo de várias décadas e permitindo ao leitor acompanhar o desenrolar conjunto da trajetória investigativa, da carreira acadêmica e das propostas teóricas desse autor. De um lado, portanto, um tributo é prestado a Leach – que "descobriu" Tambiah como antropólogo em Sri Lanka –, de outro, é o próprio Tambiah que se posiciona na linhagem de seu mestre e se torna, querendo ou não, um de seus sucessores legítimos. Com um subtítulo propositalmente ambíguo (segundo o autor, definido pela própria editora, mas aceito por ele), Tambiah tanto aborda o aspecto antropológico da vida de Leach, como constrói sua biografia "antropológica".

Tambiah segue, assim, passos do próprio Leach. Em uma de suas últimas aparições públicas, Leach fez uma tocante apresentação ("Masquerade: The Presentation of the Self in Holi-Day Life"), utilizando seu conhecimento antropológico para analisar um material etnográfico sui generis: fotografias do século XIX de sua família, de "nativos" da época do colonialismo britânico e de Malinowski entre os trobriandeses. Por considerar impossível distinguir mito de história (apenas verifica que o primeiro tem implicações morais mais claras), Leach analisa as posições dos retratados, fala de chapéus, cadeiras, cenários e roupas e conclui que, como não suportamos o caos da história, forjamos cultos aos ancestrais. No seu caso, duas figuras tornaram-se seus "seres sobrenaturais": um tio-avô, retratado em várias das fotos e autor de obra monumental sobre a história dos mongóis, e Bronislaw Malinowski. (No contexto de fim da vida que se anunciava, ao criticar a distinção entre mito e história, um diálogo silencioso se estabeleceu com Lévi-Strauss, mas Leach fez sua opção explícita por Malinowski).

É nesse exato sentido que o livro de Stanley Tambiah se torna uma homenagem e uma reflexão crítica, mas também valida uma ancestralidade. É, portanto, uma celebração, um culto antropológico cujas conseqüências não previstas reafirmam a linhagem que vai de Malinowski a Raymond Firth, deste a Leach e, incluindo o diálogo ambíguo com Lévi-Strauss, ao autor do livro. Em outras palavras, não estamos aqui diante de uma biografia clássica que relata a vida de um indivíduo reconhecido socialmente, mas de uma "vida antropológica" que se define pela não-separação entre carreira etnográfica, trajetória teórica e vida pessoal do homenageado, tanto quanto do biógrafo. Tanto para Leach quanto para Tambiah, antropologia não é algo que se faz à parte da vida cotidiana, mas é parte da trajetória do etnógrafo. Esta concepção do métier do antropólogo permeia todo o livro.Leia na íntegra...