artigos e ensaios - 2017 / Mariza Peirano

O pluralismo hoje: sobre a atualidade de Antonio Candido (1918-2017)

É de Antonio Candido a ideia de que “um homem só nos é conhecido quando morre”. A morte, ele explica, é um limite sem retorno. O romancista, ou o artista em geral, constrói personagens de ficção coerentes, muito mais coesos e satisfatórios do que o conhecimento fragmentário que temos dos seres vivos, sempre menos lógicos e mais sujeitos às eventualidades. Talvez por este motivo, Antonio Candido não se apresentava como um autor completo; ao contrário, seus próprios ímpetos o surpreendiam, porque se considerava uma pessoa de poucos arrebatamentos, e ele os deixava transparecer sem racionalizá-los.

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Considerado o grande nome da crítica literária no Brasil, Antonio Candido foi reconhecido também como sociólogo, professor e escritor, em todos os campos premiado. Embora a antropologia tenha sido central na sua formação, a ponto de sua tese de doutorado, Os parceiros do Rio Bonito, haver sido penalizada por Roger Bastide com um 9 por não ser pura sociologia, sua contribuição na área não é muito comentada. É possível que exatamente por esta razão Antonio Candido tenha se entusiasmado quando, como antropóloga em formação, pedi a ele que me concedesse uma entrevista no final de 1978. Ele tinha 60 anos então.

Antonio Candido concedeu muitas entrevistas ao longo da vida, tendo recontado inúmeras vezes sua trajetória. Mas, como sabemos, há várias maneiras de relatar o passado ou reviver momentos especiais. Estimulado a narrar o período em que se formou e as opções que então estavam abertas, naturalmente tendo em vista interesses vindos à tona pelas minhas perguntas, Antonio Candido foi generoso ao relatar sua iniciação nas ciências sociais. A mim, interessava especialmente como, de um tronco comum no início dos anos 1930 em São Paulo, tanto na Universidade de São Paulo (USP) quanto na Escola Livre de Sociologia e Política, as disciplinas das ciências sociais, como hoje as conhecemos, foram se formatando conceitual e institucionalmente. Antonio Candido captou de imediato a questão que enunciei ainda timidamente. E respondeu combinando o clima da época com sua trajetória particular, incluindo detalhes de família, aspectos do seu temperamento, professores, colegas e alunos. Não por acaso, quando publiquei uma coletânea com capítulos da tese, o primeiro foi dedicado a mapear as oportunidades que se abriram pelo pluralismo – termo seu – que dominava o cenário acadêmico da USP quando se formou. Leia na íntegra...