artigos e ensaios - 1992 / Mariza Peirano

À procura de dragões:

Ensino e pesquisa em antropologia

Ensinar a fazer pesquisa de campo em antropologia é uma tarefa impossível. Esta é a conclusão que há muito chegaram não só professores bem intencionados como estudantes interessados mas atônitos. A experiência de campo depende, entre outras coisas, da biografia do pesquisador, das opções teóricas dentro da disciplina, do contexto sócio-histórico mais amplo e, não menos, das imprevisíveis situações que se configuram no dia-a-dia do local da pesquisa, entre pesquisador e pesquisados. Já houve época em que se pensava que bastava aprender a fazer censos, um mapa, genealogias, coletar histórias de vida, anotar os "imponderáveis" em um diário, escrever os mitos e seguir à risca os manuais que - no velho estilo britânico dos "Notes and Queries" - pretendiam ajudar o etnógrafo a entender o mundo em que vivia o "nativo".

A ilusão de que era possível ensinar a fazer pesquisa de campo - Malinowski e Evans-Pritchard estão entre os que seriamente tentaram - esvaiu-se com a critica à busca do nativo exótico. Esse estado de coisas, hoje, não é mais causa de desesperança, mas uma realidade que se explora nos seus aspectos positivos e negativos e, não caro, torna-se o fio condutor da etnografia que resulta da pesquisa.

Em contraste com a pesquisa de campo, a idéia de que o ensino da antropologia poderia ser questionado nunca floresceu. Na verdade, os antropólogos podem se vangloriar de estarem entre aqueles que melhor e com mais consenso partilham ancestrais e linhagens comuns, através dos quais iniciam os estudantes quer estejam no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália, no Japão ou na Índia. Um curso de história e teoria antropológica pode variar no que diz respeito ao período contemporâneo e às figuras locais mais significativas, mas há de se ler Durkheim, Morgan, Mauss, Frazer, Malinowski, Boas, Radcliffe-Brown, Evans-Prit- chard, Lévi-Strauss.Leia na íntegra...