artigos e ensaios - 1990 / Mariza Peirano

Debates e embates da antropologia:

O diálogo Índia-Europa

"We have, then, this problem of 'communication' - or gap in communication - among those who are contributors to the sociology of lndia. (...) The establishment of a common ground for discussion, therefore, remains as important a task now as it has been in the past and as difficult as Dumont says he found it."

Não foi pelo consenso, mas sim através de controvérsias que a antropologia, como outras disciplinas, desenvolveu sua tradição. Émile Durkheim contra Gabriel Tarde, depois Radcliffe-Brown contra Frazer, seguidos de Malinowski e Radcliffe-Brown até chegar a Lévi-Strauss contra todos. Estes episódios de dificuldade de comunicação e entendimento ficaram conhecidos e foram muitas vezes mitificados. Qualquer aprendiz de antropólogo toma conhecimento deles e é então que descobre que o sucesso de um dos protagonistas do debate não significa necessariamente que as idéias do rival tenham sido ultrapassadas mas que, no mais das vezes, foram assimiladas. À parte estes casos, outros debates menos visíveis e pomposos , mas não menos marcantes, deram sabor à disciplina: o famoso caso de Daisy Bates e Raddiffe-Brown é um deles, no qual Bates acusava Raddiffe-Brown de apropriação indevida de dados por ela coletados, além de maus-tratos e abandono na pesquisa de campo na Austrália. Na década de 60 foi a vez da ativa seção de Correspondência da revista Man, que inaugurou a publicação de discussões teóricas às quais os editores se compraziam em dar títulos pitorescos. "Twins Are Birds", ''Erotic Birds", "Palpable Nonsense in the Conflict of Life and Death" são alguns tópicos que tiveram duração de vários números. Entre estas discussões, talvez "Virgin Birth'' tenha sido a mais longa e a mais controvertida, além de ter mostrado um Edmund Leach mordaz e irônico no debate sobre a ausência da noção de paternidade fisiológica entre os trobriandeses estudados por Malinowski.

Essas rápidas ilustrações deixam entrever que, apesar de irreverentes, os antropólogos são mais belicosos e irritadiços que o estereótipo do cientista social romântico, contemporizador e relativista que o mundo acadêmico em geral divulga. No entanto, se há disputa, é porque há posições em jogo: teóricas, institucionais ou outras. É curioso, portanto, notar que na última década as rivalidades estejam sendo substituídas pelas intenções e expectativas de um consenso disciplinar: Clifford Geertz e Louis Dumont são dois bons exemplos, dada a posição de destaque que ocupam no meio antropológico contemporâneo e as diferentes ênfases a respeito do problema. Para Dumont, o diálogo entre os cientistas sociais sempre foi uma preocupação, mas foi em 1978 que ele sugeriu que a comunidade deveria partilhar uma mesma visão da disciplina. Esta visão, inspirada em Marcel Mauss, pressupõe que os valores da comunidade antropológica se diferenciam da ideologia dominante do mundo moderno no seguinte sentido: ao invés dos valores individualistas, para os antropólogos os valores universalistas - que permitem ao pesquisador proceder à comparação - devem englobar os valores holistas - que dão conta do objeto de estudo em si. É interessante notar que foi Dumont quem um dia denunciou as implicações ideológicas do conceito de "comunidade" no pensamento ocidental, embora, quando trate da disciplina, faça da "comunidade antropológica'' algo concebível, senão desejável. Leia na íntegra...