artigos e ensaios - 1973 / Mariza Peirano e Alcida Rita Ramos

O simbolismo da caça em dois rituais de nominação

Introdução

o presente trabalho tem dois objetivos principais. Um, é discutir e tentar definir o fenômeno ritual como um sistema de informação cultural. O outro, é descrever e analisar dois rituais de nominação que, embora levados a efeito em duas sociedades distintas, com diferentes propósitos, apresentam-se, do ponto de vista estrutural, como um único tipo de situação ritual. Essas sociedades são Sanumá (Yanomama) e Bororo. Na primeira, o ritual aqui analisado é desempenhado quando do nascimento de um membro; na segunda, quando da morte de um membro. Em ambas as sociedades, o ritual envolve a nominação, da criança (entre os Sanumá); do morto (entre os Bororo). No decorrer da análise desses rituais, tornou-se evidente que certos aspectos sócio-culturais são postos em relevo durante a realização dos ritos. E o mais importante é que, apesar das diferenças culturais que existem entre Bororo e Sanumá, e que serão apresentadas mais adiante, tornou-se claro que os mesmos aspectos são enfatizados pelo ritual de nominação em ambas as sociedades, como será exposto abaixo.

A situação empírica representada por esses dois ritos de nominação constitui-se, assim, em teste conveniente para avaliarmos a capacidade operacional da definição de ritual aqui proposta.

Definição de ritual

Consideramos que a noção de ritual deve transcender aqueles fenômenos de cunho religioso que tradicionalmente têm monopolizado o conceito e as análises de rito. Assim sendo, um dos problemas que surgem quando tentamos elaborar uma definição mais ampla de rito advém da necessidade de se separar comportamento simplesmente padronizado de comportamento ritual. A questão é saber-se o que deve existir na conduta de um indivíduo ou grupo para que ela seja classificada como ritual e não meramente como uma manifestação dos modos de agir aprovados pela sociedade. Em seu artigo sobre ritualização humana, Leach amplia o âmbito do conceito de ritual, de modo a contar todo tipo de comportamento que não tenha um caráter puramente técnico. Para ele, ritual inclui formas de comportamento que ele chama de "comunicativo" e de "mágico", um exemplo do primeiro seria um aperto de mão e do segundo, a prestação de um juramento (Leach, 1966: 403). A posição de Leach tem o mérito de expandir o conceito de ritual, de modo a incluir fenômenos não apenas religiosos, mas, por outro lado, corre o risco de confundir o ritualizado com o meramente padronizado.Leia na íntegra...