capítulos de livros - 2004 / Mariza Peirano

"In this context".

As várias histórias da antropologia

Em primeiro lugar, quero agradecer a Fernanda Peixoto, Heloísa Pontes e Lilia Schwarcz o convite para participar do Seminário "Antropologia da Antropologia: Desafios e Perspectivas", na Universidade de São Paulo. O tema sensibiliza-me por várias razões, talvez a mais evidente, a semelhança de nomes - o título do seminário aproxima-se ao da minha tese de Doutorado, defendida há mais de duas décadas. Assim, penso que as organizadoras correram um risco ao me chamar para esse debate, porque será inevitável mencionar uma parte importante da minha formação e o contexto no qual ela se deu. Minha exposição é dividida em três partes: na primeira, procuro recuperar o quesignificava um trabalho de "antropologia da antropologia" no final dos anos 1970; na segunda, desenvolvo uma reflexão sobre pelo menos dois tipos de histórias na antropologia; na terceira, faço um alerta sobre a indistinção entre história e teoria por meio de um exemplo da literatura antropológica.

I

A antropologia da antropologia: o caso brasileiro foi uma tese que apresentei nos Estados Unidos em 1980, resultado de uma preocupação basicamente durkheimiana - inquirir a ciência da mesma forma como se havia pesquisado a religião. Indagar como esse "sistema de crenças" vivido e reproduzido era parte do projeto. Ao perceber que cientistas sociais partilhavam alguns valores centrais e objetivos de relativa similitude, uma série de perguntas surgiram: que valores eram esses? Quem eram essas pessoas que se tornaram antropólogos? Qual a eficácia do seu conhecimento? Como se reproduziam socialmente? E, principalmente, como eram reconhecidos? Como em Mauss, toda magia depende da aprovação social que a legitima.

O projeto era, assim, bastante ortodoxo ao se inspirar em autores clássicos. Seguindo as pistas do reconhecimento social, definiam-se também o período a ser pesquisado e os atores envolvidos. Foi no pós-1930 que as ciências sociais - sob o rótulo amplo de sociologia - foram vistas como relevantes para o desenvolvimento do país e institucionalizadas como saber acadêmico. Isto aconteceu em São Paulo, especialmente na USP, mas também na Escola Livre de Sociologia e Política. Alcançada a legitimidade, ao longo das décadas seguintes, um processo gradual de desmembramento, bricolagem e individualização acabou por distinguir a sociologia da antropologia, da ciência política, da história. Leia na íntegra...