entrevistas - 1978 / Mariza Peirano

Luiz de Castro Faria

"Um problema com o qual nós temos lidado aqui é o problema da pluralidade de classificações, e que é um problema muito interessante e que se coloca sobretudo para as ciências sociais. Porque Gilberto Freyre, por exemplo, com o qual, aliás, o Darcy estabeleceu uma certa aproximação, ele mesmo se autoclassifica como antropólogo sociólogo. Agora, é classificado como historiador social, como escritor, como romancista, como teatrólogo. Ele produz em todos os campos. E alguns autores, como foi o caso estudado pelo Alfredo [Berno Wagner de Almeida], o caso do Euclides da Cunha, ele é classificado como geógrafo, como geólogo, como antropólogo, como sociólogo, como escritor, autor de um poema épico... Quer dizer, Os sertões também é visto como documentação, é visto como um poema em prosa de caráter épico. É classificado de uma maneira plural. Ao passo que, evidentemente, um químico é um químico, um físico é um físico, um matemático é um matemático. Nas ciências sociais tornou-se praticamente consensual que, pelo menos na América, todos que fazem antropologia são antropólogos. Não é bem o caso. Esse é um capítulo do Robert Lowie, do livro dele de memórias que se chama Robert Lowie, ethnologist. O que é afinal ser etnólogo? Por que ele usou etnólogo e não antropólogo? Você tem, da Margaret Mead, o trabalho sobre a Ruth Benedict, Um antropólogo em ação. Por que essa permissividade? Por que o sujeito pode ser chamado ao mesmo tempo de etnólogo e antropólogo social e antropólogo cultural, ou simplesmente antropólogo, ou sociólogo, ou antropólogo sociólogo? O que quer dizer isso? O interessante é verificar o que está por trás disso. Porque isso não é gratuito. Evidentemente que o Lowie, escrevendo, no fim da vida, um livro de memórias, não usou etnólogo por acaso, evidentemente. E, aliás, eu acho que ele define. Acho não; ele define. Não deve estar aqui porque esse é um capítulo apenas sobre o contato dele com o Curt Nimuendajú. Mas nesse [livro] ele diz o que é etnologia para ele. Evidentemente, ele escolheu o termo; não fez um uso casual. Ele escolheu o termo. Eu acho que essa é uma pesquisa que vale a pena a gente fazer. Nós fazemos isso, aqui, com várias categorias. Algumas categorias têm uma temporalidade própria: foi usado por um certo período e depois não pode ser usado mais. Outras são contemporâneas, mas querem dizer outra coisa. Em determinadas situações, aqui no Brasil, eu não tenho dúvida nenhuma que sociologia... Note bem, não estou mentalmente me referindo a nenhuma das pessoas citadas, mas, aqui no Brasil, em certas circunstâncias, conjunturas, sociologia foi usado porque ela confere muito mais prestígio que antropologia e muito mais que etnologia. E isso tem importância em relação a toda a representação das atividades de instituições como museus, que colecionam peças. A sociologia é ciência teórica, quer dizer, você pode produzir em bibliotecas, em gabinetes, lendo. A outra não, a outra inclusive parte do pressuposto que você é que cria o objeto de estudo, viajando, descobrindo tribos. O ideal é você exatamente escrever o que não tem ainda em biblioteca nenhuma. Isso existiu realmente e é uma coisa interessante de você ver. Eu acho que, levantando um certo número de dados, você poderá pensar então nos cortes, nessas temáticas, enfim, como estruturar. Mas essa sua observação é ótima, de você ter perguntado ao [Roberto da] Matta por que se prefere sociologia, nesse caso, e não antropologia. No entanto, o outro livro dele chama-se Ensaios de antropologia estrutural." Leia na íntegra...