entrevistas - 1978 / Mariza Peirano

Darcy Ribeiro

"O [Herbert] Baldus tinha uma tradição europeia, com uma posição muito mais aberta, e muito mais severa do que a dos outros. E com a preocupação de pesquisa de campo com índios, o Baldus nos lançou na pesquisa de campo. Então, a motivação da coisa indígena fez com que eu fosse um dos primeiros profissionais brasileiros de pesquisa em pesquisa de campo. Nem havia o nome de antropólogo e etnólogo. Não se podia contratar ninguém para isso. O nome era naturalista. E eu fui ser naturalista durante anos, através do Baldus. E fui ser naturalista por ser etnólogo. E fui aprender, como o Lévi-Strauss aprendeu, fui aprender no campo, com os índios, a ser etnólogo, e refazer minha formação, na medida em que eu me construía como etnólogo. Pois bem, aqui há uma deformação que é preciso entender sob seu ponto de vista. O que é isso? Era uma coisa positiva que eu fosse fazer estudo objetivo de um pedaço da sociedade humana, que era uma comunidade indígena que eu tentava entender. Toda a teoria que me mandava para lá era muito ruim. O primeiro artigo que eu escrevo acaba de ser republicado nos Estados Unidos e querem republicar na França, que é Sistema Familiar Kadiwéu, que eu acho que é mais ou menos bom. Mas aquilo é o pagamento que eu fazia ao modismo antropológico. Então, Religião e mitologia Kadiwéu cabia. Parentesco cabia, era importante, estava em moda; religião cabia; metodologia cabia; arte plumária, uma maravilha, um tema ótimo que eu peguei e versei. Então, eu cheguei a fazer um renome como antropólogo porque eu tratava dos temas que estavam em moda. O interesse que eu tinha em entender indianidade era pequeno, e eu tinha interesse em brilhar e ilustrar, com material brasileiro, teses com respeito a esses temas – o que antropologicamente é justo, como uma tentativa de contribuir para atender à curiosidade humana inata, mais ou menos. Agora, só muito mais tarde eu entendi que o verdadeiro tema científico com os índios eram os índios como destino, como gente que estava sendo esmagada e destruída. Mas isso não estava na perspectiva antropológica. No máximo, estavam os estudos de aculturação,herskovitsiano e outros, que, de fato, estavam desinteressados com o que se sucedesse com os índios. Então, foi minha paixão pelos índios, pela causa indígena, pelo problema indígena, minha aproximação com Rondon que fez com que a minha antropologia passasse a ter uma certa funcionalidade, passasse a deixar de ser masturbatória e passasse a ser mais fecunda." Leia na íntegra...