entrevistas - 1978 / Mariza Peirano

Florestan Fernandes

"O professor Baldus tinha um Seminário sobre Índios do Brasil, e que não era propriamente um seminário. Ele apenas ficava na sala e participava das discussões. Não era um seminário de tipo autoritário; era mais uma espécie do mestre camarada. Conhece a teoria pedagógica do mestre camarada, não é? É o companheiro mais velho. Ele ficava na sala e cada um falava sobre o que queria. Quer dizer, era do cinema, a arte, a literatura, a situação brasileira, se há educação ou não há, no Brasil. E inclusive podia ser uma coisa mais instrumental. E ele precisava de uma coisa mais definida, para dar uma nota. Agora, para as notas, ele precisava que se fizesse um trabalho. E, não sei por que motivo, eu, pessoalmente, escolhi o Gabriel Soares. Naquela época, nós discutimos, no seminário, os trabalhos do Métraux. Mas os trabalhos do Métraux eram trabalhos feitos na década de 1920. Ele foi discípulo de Nordenskiöld. E, naquele trabalho, seguiu uma orientação mais ou menos antiquada, tanto teórica quanto metodologicamente. Não era antiquada na época em que ele escreveu a tese, mas se tornou antiquada. Na década de 1940, nós já estávamos sob influência dos autores funcionalistas, dos difusionistas, dos evolucionistas. Havia todo um debate teórico que também entrou no seminário. Eu não sei por que motivo eu escolhi o Gabriel Soares. Talvez tenha sido porque eu fazia comentário de livros, para ganhar mais dinheiro, nos jornais. Por qualquer motivo, esse livro chegou às minhas mãos. E combinando o útil ao agradável, eu li o livro, e estava preocupado com a contribuição etnográfica do livro. Até, há alguns anos passados, eu destruí esse trabalho. Eu vi que não tinha importância. Mas o trabalho foi útil, porque, fazendo análise de conteúdo, eu descobri que ele dava uma contribuição magnífica para o estudo de instituições e de funcionamento de estruturas, e escrevi um trabalho de umas 25 ou 30 páginas discutindo esses aspectos que não aparecem na obra do Métraux. Isso foi trabalho de primeiro semestre. O professor Baldus leu aquilo e ficou impressionado, disse: "Florestan, será que você tem razão? Será que essa documentação é consistente? Porque, se isso realmente é consistente, é uma mina. Ninguém pensou sobre isso. É uma mina". Eu disse: "Olha, só há um meio de ver se isso é consistente, vamos pegar outro autor. Porque o Gabriel Soares é consistente. O problema é saber se há réplicas e se, realmente, depois se pode confrontar fontes". Aí eu escolhi, para o segundo semestre – aí foi decisão minha –, o Hans Staden e fiz um trabalho análogo sobre o Hans Staden, que mostrou a mesma coisa." .Leia na íntegra...